DO FIM AO RECOMEÇO
ONTEM
Primavera, duas horas de uma madrugada . O sino da matriz repica duas badaladas.
Nesse instante Aparecido adentra em sua casa.
- Isto são horas? Pergunta Renata.
- Exatamente, duas horas!
- Eu sei, quero saber exatamente onde e com quem você esteve.
- 23º3323”S 46°4053”W com a turma da repartição.
- Muito engraçado.
- E você porquê não está na dormindo?
- Esqueceu que estou condicionada a dormir com a suave sinfonia de seu ronco?
- Podemos resolver esse problema gravando meus valiosos ruídos noturnos.
- Chega dessa conversa desgastante, vou dormir!
Aparecido adota a mesma atitude e também vai para a cama.
Aquele relacionamento era como um tecido esgarçado que estava por um fio.
Como a Terra não para de girar, um novo dia aman...
DOIS ANOS ANTES
Renata cursava o último ano da faculdade de história: Aparecido estava no ultimo semestre da faculdade de geografia. Conheceram-se numa festa de confraternização dos formandos daquele ano letivo. Trocaram olhares, palavras, beijos e meses depois alianças.
Se tivessem sido “ felizes para sempre”, a história terminava neste ponto. Mas, sempre há um mas. O que aconteceu? Com o passar do tempo pequenos problemas como horários de trabalho, preferências por novelas ou futebol, cinema ou teatro, alimentos com mais ou menos sal, nível de iluminação, minaram o encantamento que um nutria pelo outro.
HOJE
...nheceu. Abria-se um lindo sábado de primavera. Levantaram mais tarde como faziam nesses dias. Tomaram café regado a frutas, bolachas, geléias, mel, leite, pão com manteiga e muita ironia. Às dez horas Aparecido saiu sem dizer palavra. Não foi ao clube nem à academia. Para onde teria ido?
Treze horas, Aparecido entra em casa trazendo um enorme pacote.
- Sempre que você se arrepende de me tratar mal sai sem dizer nada e volta com um presente tentando se desculpar.
- Não, não é um presente, mas pode significar o futuro.
Ao rasgar o papel da embalagem aparece...
- Mala?
Isso mesmo, responde Aparecido.
- Vai viajar?
- Não propriamente. Concluí que esta casa ficou pequena demais para nossos egos, um
de nos deve sair para que os dois possam viver plenamente.
- Quando?
- Hoje!
- Como?
- Imediatamente!
- Ficou louco? Essas coisas não se resolvem assim em par ou impar!
- Vou colocar minhas coisas nesta mala e vou embora agora!
- Não, você não vai fazer isso, me dá essa mala!
- O quê, você vai dar o fora?
- Não! vou encher a mala com as suas coisas e vou botar os dois pra fora de casa.
Assim foi dito assim foi feito.
DOIS ANOS MAIS TARDE
Soa a campainha. Renata abre a porta. –Você?
- Voltei!
- Como, voltei?
- De táxi.
- Não foi isso que perguntei.
- Até hoje você não assinou o divorcio. Não posso me casar, pois seria punido por bigamia. Por outro lado qualquer bem adquirido teria que partilhar com você.
- Se você esperasse mais um mês o casamento perderia a validade.
- Sei, mas também perderia o direito à casa.
- O que pretende?
- Aqui está minha solução, responde enquanto tira um objeto do bolso.
- Um pedaço de giz?
- Acompanhe-me.
Vão até o quarto. Aparecido traça uma linha dividindo a cama em duas partes, e continua dividindo toda a casa em duas partes, o quarto a cozinha o banheiro a sala etc.
- Pode escolher se prefere o lado esquerdo ou direito, diz jogando o toco de giz pela janela.
- E fica tudo como antes?
- Não! fica tudo como eu demarquei.
- Agora vou propor minha solução, responde Renata, apanhando um apagador. – Siga-me! E sai apagando todas as linhas desenhadas por Aparecido.
- E fica tudo como antes?
- Não! Você esqueceu de me dividir com o giz.
- E então?
Renata avança em direção a Aparecido e começa a esfregar o apagador em seu corpo.
- Pare, o que è isso? Não, não, socorr...
Nesse dia Aparecido foi apagado da vida de Renata, literalmente..
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